27 de dezembro de 2005

Pequenas reflexões sobre eleições em Portugal

"[...] No Parlamento não está a representação nacional, está a representação oficial; não está uma representação espontânea, nobre e sentida, está uma representação ensinada e assalariada. O governo pode contar com essa, porque a educou, e porque a afeiçoou a si; o governo a maioria são como duas figuras duma tragédia, que se falam e replicam, de há muito ensaiadas nos bastidores [...] Aquela representação não é nacional, é ministerial: não representa o povo que a rejeita e que a censura, representa simplesmente os homens que lhe dão os cargos opulentos e os estipêndios largos; a maioria é o corpo diplomático do governo; ele trá-la ostentosa e bem fardada, e engorda-a com a magreza do povo ..."
[Eça de Queiroz, in Distrito de Évora, 14 Março de 1867]

Não podia estar em maior desacordo com a aplicação deste texto de Eça de Queiroz, à actual situação de Portugal. As situações não são comparáveis.
No Portugal de Eça, o Voto era masculino e censitário (Quem pagava impostos), e a lei eleitoral mudava a cada eleição. Quem dominava era o cacique local que influenciava o resultado eleitoral de modo a garantir a eleição do Partido que nesse momento mais o beneficiava.
Apesar disso em 1894 o recenseamento eleitoral incluía 950 000 eleitores que correspondiam a 85% da população masculina de Portugal maior de 21 anos, a única com direito a voto.

Na primeira República o panorama foi muito pior, o recenseamento era mais restrito. Nas eleições de 1913 apenas existiam 400 000 eleitores recenseados (menos de 50% que em 1894, para uma população 50% superior) e a taxa de abstenção foi de 62.5%, (150 000 votos expressos) nas restantes eleições o número de cidadãos recenseados nunca ultrapassou os 600 000, excepção feita ao consulado de Sidónio Pais em que o número de cidadãos recenseados chegou aos 900 000, com uma taxa de participação de 57% (510 000 votos expressos) – mas convém referir que nesta eleição, os boletins de voto apenas continham uma única opção, Sidónio Pais!
Nada mau para um regime que gritava: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Durante o Estado Novo, foi o que se sabe, as eleições eram uma fantochada, em tudo semelhante às eleições da 1ª República.

Até ao 25 de Abril, o texto de Eça, escrito em 1867 assenta como uma luva (No Parlamento não está a representação nacional, está a representação oficial […] Aquela representação não é nacional, é ministerial: não representa o povo que a rejeita e que a censura, representa simplesmente os homens que lhe dão os cargos opulentos e os estipêndios largos)

A partir de 1975, o panorama mudou totalmente, o recenseamento eleitoral não possui qualquer restrição (apenas a da idade) é obrigatório por lei, e as eleições são inteiramente Livres.

A partir de 1975 o Parlamento eleito, é-o por todos os Portugueses sem excepção. Quem não se dá ao trabalho de se deslocar às assembleias de voto, para exercer o seu direito, não pode vir depois criticar, que os Deputados são preguiçosos, não fazem nenhum, são de péssima qualidade, etc. e tal.
Isto não quer dizer que o sistema seja perfeito, longe disso!
A representatividade actual não é a ideal, certas figuras de cartaz, são-no até ao dia das eleições, pois a seguir rumam aos seus postos bem remunerados e deixam a cadeira a algum funcionário partidário desconhecido.
O sistema actual gerou Políticos incompetentes, mas nós Portugueses, continuamos eleição atrás de eleição, a votar nesses mesmos incompetentes, dizendo entre dentes “eles são todos iguais”, e suspirando que num dia de nevoeiro, alguém caia de pára-quedas e tome as medidas há muito ansiadas, mas nunca desejadas pela Nação.

O que se pode ainda dizer é:
No Parlamento está a representação nacional, mas esta representa simplesmente os homens que lhe dão os cargos opulentos e os estipêndios largos!

No próximo mês de Janeiro ninguém vai cair de pára-quedas.

Publicado também no "O Eleito"

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