9 de março de 2011

Os “OUTROS” que nos lixam e o “OUTRO que nos irá salvar

Quando sucede alguma desgraça no nosso país a culpa é sempre de “OUTROS” que estejam mais à mão.

E que são estes “OUTROS”?

Na grande maioria das vezes, quem acusa não faz a mínima ideia de quem são esses “OUTROS”.

Os “OUTROS” têm variado ao longo do tempo, é uma espécie de moda. No passado distante eram os Judeus, mais recentemente, na 1ª República eram os Thalassas (Monárquicos). No período seguinte passaram a ser os Comunistas aos quais se juntou, a partir de meados dos anos 60, o resto do mundo e assim foi até 1975, orgulhosamente sós! Não havia desgraça que fosse culpa nossa. Éramos como um condutor em contra-mão numa auto-estrada que telefona para as autoridades a alertar para as dezenas de veículos que circulam ao contrário.

A partir de 1974 o espectro alargou-se. A culpa pelo que corria mal era atribuída aos Fascistas e seus sinónimos (Sociais-Fascistas, Capitalistas, Monopolistas, Revisionistas, Reaccionários, etc). Os outros pertenciam sempre a um grupo indefinido que ninguém admitia pertencer. O supra-sumo da indefinição dos outros chegou com Cavaco Silva e as suas terríveis “Forças de Bloqueio”.

E como pode uma pessoa escolher um grupo de “OUTROS” quando sente a corda a apertar na garganta?

Em primeiro lugar tem de escolher um grupo ou termo que possa ser percepcionado pelo povo como responsável sem grandes perguntas e de preferência que seja tão indefinido que mesmo que alguém dele faça parte não o saiba, ou que não tenha qualquer porta-voz. Exemplos: Os “Especuladores”, ou os “Mercados” .

Apenas devemos nomear um grupo bem definido de pessoas, caso este não reaja, ou não seja imediatamente perceptível pelo cidadão comum. Exemplo: a “Maçonaria”, o “Patronato” ou, para quem não está na política, os “Políticos”. A Maçonaria é sempre útil, pois devido ao seu secretismo não responde, ou se o faz, na pessoa do Grão-Mestre, este ao desmentir geralmente convence o povo que efectivamente é o culpado. O mesmo se passa com o “Patronato” e ainda mais com os “políticos”.

Os mais radicais podem escolher os “Judeus”, mas como hoje em dia são muito poucos em Portugal e ninguém os distingue na rua, só servem para justificar as desgraças dos Árabes. Os mais rascas podem ainda escolher os tradicionais “Pretos” e os recém-chegados “Chineses”. Mas estes apenas servem para as caixas de comentários do Correio da Manhã.

Os “OUTROS” também podem ser pessoas individuais, mas neste caso importa seguir duas regras. Convém estarem mortas ou então serem tão atacadas que não vão reparar naquilo que dissermos. No primeiro caso temos o “Salazar”, que como sabemos continua a ser responsável por quase todas as desgraças de Portugal, mesmo aquelas que sucedem 40 anos após a sua morte. No segundo caso temos o “Bush”, que continua a ser culpado de tudo e mais alguma coisa, desde a guerra do Iraque até à constipação que apanhámos recentemente.

Resumindo, quando queremos um “bode expiatório”, ou seja sempre, é melhor escolhermos uma entidade desconhecida, indiferenciada para ser os “OUTROS”. Algo meio envolto em nevoeiro tal como sucedâneo desta cultura, personificada em D. Sebastião a entrar na barra do Tejo numa manhã de nevoeiro . É o “OUTRO” que nos virá salvar.

Ao contrário dos “Outros”, a este outro não têm faltado candidatos que geralmente perdem rapidamente as graças da nação. João Franco, Afonso Costa, Cavaco, Sócrates tentaram-no ser mas com nulos resultados. Salazar conseguiu iludir durante 10-15 anos (graças ao trabalho desenvolvido por o “outro” Afonso Costa, diga-se), mas de nada nos valeu. Nos últimos 25 anos, a figura do “Outro” foi ocupada pela “Europa”, uma figura que a classe política nunca quis explicar aos Portugueses, e que subliminarmente foi percepcionada como “O-sítio-de-onde-vem-o-dinheiro-e-por-isso-não-podemos-dizer-mal”. E graças a ela os Portugueses deitaram-se à sombra da bananeira e viveram, feliz e despreocupadamente, pois em caso de problemas a “Europa” ali estava para resolver.

A crise económica e a Senhora Merkel encarregar-se-ão de passar a “Europa” do “Outro que nos vinha salvar” para os “Outros que nos estão a lixar”, coisa que em si mesma não é nenhuma surpresa. Aconteceu a todos que quiseram ser o “Outro”.

Mas a verdadeira crise que vivemos não é a dívida pública, nem a privada, nem a taxa de juro, muito menos a taxa de desemprego. Os Portugueses sentem-se em crise e estão deprimidos e sem ponta de ânimo, pois por mais que dêem voltas à cabeça não conseguem, pela primeira vez na História, vislumbrar um novo “Outro que nos venha salvar”.


Texto escrito para responder ao amável convite do Delito de opinião.

1 comentário:

Mentiroso disse...

Muito interessante pela verdade que encerra.